04/08/2009

Especialistas colocam em dúvida “benefícios” do álcool


Até agora, trata-se de uma ladainha familiar: vários estudos sugerem que o álcool, se consumido com moderação, pode promover a saúde cardíaca e até mesmo prevenir a diabetes e a demência. São tantas evidências que alguns especialistas consideram o consumo moderado da bebida – cerca de uma dose por dia para mulheres, duas para os homens – um componente central de um estilo de vida saudável. Porém, e se tudo isso for um grande engano? Para alguns cientistas, essa pergunta nunca vai embora. Nenhum estudo, afirmam os críticos, jamais provou uma relação causal entre o consumo moderado de álcool e a diminuição no risco de morte – somente que os dois elementos geralmente estão juntos. Pode ser que o consumo moderado de álcool seja apenas algo que as pessoas saudáveis tendem a fazer, não algo que as torna saudáveis.

“Quem bebe moderadamente tende a fazer tudo certo – eles se exercitam, não fumam, comem bem e bebem moderadamente”, disse Kaye Middleton Fillmore, sociólogo aposentado da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que criticou a pesquisa. “É muito difícil desmembrar todos esses fatores, e este é o verdadeiro problema.”

Alguns pesquisadores afirmam estar assombrados pelos erros cometidos em estudos sobre terapia de reposição hormonal, que foi amplamente prescrita por anos com base em estudos observacionais similares àqueles sobre o álcool. Perguntas também foram levantadas em relação às relações financeiras que brotaram entre a indústria de bebidas alcoólicas e muitos centros acadêmicos, que aceitaram dinheiro da indústria para o pagamento de pesquisas, treinamento de estudantes e promoção das descobertas.

“O fato é que não houve um estudo sequer realizado sobre o consumo de álcool e os resultados de mortalidade que seja um ‘padrão de ouro’ – o tipo de testes clínicos controlados e randômicos que seriam exigidos para aprovar um novo agente farmacêutico neste país”, disse Dr. Tim Naimi, epidemiologista do Centro de Controle e Prevenção de Doenças.

Até mesmos ávidos defensores do consumo moderado de bebida alcoólica suavizam suas recomendações com alertas sobre os perigos do álcool, que tem sido atrelado a câncer de mama e pode levar a acidentes, mesmo se consumido em pequenas quantidades, além de estar relacionado a doenças do fígado, câncer, problemas cardíacos e derrames, se consumido em grandes quantidades. (...)

Estudos que comparam bebedores moderados com abstêmios têm sido criticados nos últimos anos. Os críticos questionam: Quem são esses abstêmios? Por que eles evitam o álcool? Existe algo que os deixa mais suscetíveis a doenças cardíacas?

Alguns pesquisadores suspeitam que o grupo de abstêmios pode incluir “ex-bebedores doentes”, ou seja, pessoas que pararam de beber por causa de alguma doença cardíaca. As pessoas também tendem a reduzir o consumo de bebida à medida que envelhecem, o que faria do abstêmio padrão uma pessoa de mais idade – e presumivelmente mais suscetível a doenças – em relação à pessoa que bebe com moderação. (...)

Naimi, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, que elaborou um estudo observando as características de consumidores moderados de álcool e abstêmios, afirma que os dois grupos são tão diferentes que simplesmente não podem ser comparados. Pessoas que bebem com moderação são mais saudáveis, mais ricas e mais instruídas, inclusive recebem melhor assistência médica, apesar de terem mais probabilidade de fumar. Eles têm até mais tendência a ter todos os dentes da boca, um sinal de bem-estar.

“Pessoas que bebem moderadamente tendem a ser socialmente avantajadas de formas que não têm nada a ver com seu consumo de álcool”, disse Naimi. “Esses dois grupos são como bananas e maçãs.” Simplesmente aconselhar as pessoas que não bebem a beber não vai mudar isso, disse ele.

Alguns cientistas afirmam que chegou a hora de realizar um grande teste clínico controlado e randômico, a longo prazo, como aqueles para as novas drogas. Uma abordagem pode ser recrutar um grande grupo de abstêmios que seriam randomicamente orientados a tomar uma dose diária de álcool ou se abster, e então eles seriam acompanhados por vários anos. Outra abordagem seria recrutar pessoas com risco de desenvolver doenças coronarianas.

Entretanto, até os especialistas que acreditam nos benefícios do álcool à saúde afirmam que essa é uma ideia pouco plausível. Grandes testes randômicos são caros, e eles podem não ter credibilidade, a não ser que sejam financiados pelo governo, que provavelmente não assumiria essa tarefa controversa. Existem problemas práticos e éticos em dar álcool a abstêmios sem deixá-los conscientes disso e sem contribuir para acidentes.

Ainda assim, alguns pequenos testes clínicos já estão a caminho, a fim de verificar se diabéticos podem reduzir seu risco de doenças cardíacas ao consumir álcool. Em Boston, pesquisadores do Beth Israel Deaconess Medical Center estão recrutando voluntários com 55 anos ou mais com risco de doenças cardíacas e orientando-os randomicamente a beber limonada pura ou limonada com um pouco de álcool de cereal, enquanto cientistas monitoram seus níveis de colesterol e examinam suas artérias.

Em Israel, pesquisadores deram a indivíduos com diabetes tipo 2 vinho ou cerveja sem álcool. Eles descobriram que os que beberam vinho tiveram quedas significativas no nível de açúcar no sangue, apesar de somente após o jejum. Os cientistas israelenses estão agora trabalhando com uma equipe internacional para iniciar um amplo teste, com dois anos de duração. (...)

(G1 Notícias)

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